Com a poesia de meu pai, crio este blog...com o objetivo de publicar cultura, tradição e apego as coisas da minha terra.(imagens e obras).(...para as más linguas...claro que vai ter relatos da minha jornada).

à todos um grande "quebra costelas" para espantar o velho "minuano" da vida.

domingo, 9 de novembro de 2008

Retorno Bravo (Ubirajara Raffo Constant)

Ali na porta do rancho, junto ao cusquito nervoso,
o velho guasca orgulhoso olhava o filho partir.
Também desejava ir com a mesma disposição,
levando a lança na mão,
p'ra se unir aos farroupilhas e pelear pelas coxilhas em defesa do rincão.
Porém já velho e arquejado perdera a força no braço,
tinha no lombo o cansaço do peso de muitos anos,
mas era um dos veteranos com orgulho do passado,
por ter a lança empunhado combatendo os castelhanos.
Que gana tinha de ir, aquele velho guerreiro,
de novo para o entrevero como gaúcho pelear,
mas ficava a se orgulhar que embora velho e cansado tinha um filho ja criado partindo no seu lugar.
E ali na porta do rancho, cheio de orgulho e pesar,
viu o filho se afastar com garbo e disposição, montando um flor de alazão,
o laço preso nos tentos, o poncho revoando ao vento e a lança firme na mão.
Depois, com a estrada deserta, a noite foi se chegando,
o pampa foi silenciando nas grotas e nos banhados e o velho guasca cansado no catre foi se arrimando em silêncio memoriando entreveros do passado.
Assim, a poeira dos dias cobriu o catre vazio do paisano que partiu do rancho para a guerrilha, levando na alma caudilha de guasca continentino, a fibra, a glória e o tino de campeador farroupilha.
Já muitos dias depois um xirú trouxe a notícia: - A farroupilha milícia em que seu filho marchou peleando se dizimou. Morreram mas não recuaram e entre os bravos que tombaram dizem que o moço ficou.
Num sentimento profundo o velho ficou calado,
mas o seu rosto enrugado não pode a dor esconder,
deixando livre correr, do fundo da alma ferida, uma lágrima sentida que ele não pode conter. Tristonha caiu a noite e mais triste a madrugada. Latia ao longe a cuscada, na quincha gemia o vento, e sem dormir um momento, ali no catre estirado, o velho ficou atado na soga do pensamento.
Lembrou o filho em criança correndo o pampa em retoço,
a melena em alvoroço soprada ao vento pampeano.
Recordou ano por ano até que o piá ficou moço e ali da porta do rancho partiu p'ra revolução, montando um flor de alazão,o laço preso nos tentos, o poncho revoando ao vento e a lança firme na mão. Estava assim recordando, quando lá fora um gemido lhe fez apurar o ouvido e despertar-lhe a atenção.
E quando ouviu uma mão, naquela hora tão morta, forcejar de encontro a porta como querendo arrombá-la, sua visão ficou clara, voltando-lhe a luz e o brilho; num ímpeto caudilho a porta abriu com vigor e estarreceu-se de horror ante a figura do filho.
Cambaleante, ensangüentado, as vestes feitas em frangalhos,
o corpo cheio de talhos dobrado pelo cansaço, já sem força em nenhum braço,
já sem poder ver direito, e com o meio do peito aberto por um lançaço.
Fitando os olhos do filho o velho ficou calado. Estarrecido, espantado, vendo-o ali em sua frente. Então gritou gravemente: - Meu filho, por que voltaste? Por que? Por que não tombaste onde tombou nossa gente? Maldito sejas, covarde, tu já não és mais meu filho! Não tens o sangue caudilho, não agüentaste o repuxo, deixaste teus companheiros, fugiste dos entreveros, tu já não és mais gaúcho!
Então a face do guasca que peleando não tombou, como um lançaço estampou a ira do coração. Prostrando-se rudemente, naquele gesto inclemente, desfalecido no chão,
o moço sentindo a morte roubar-lhe o sopro da vida,
com a alma triste e ferida, ali prostrado no chão, sem rancor no coração olhou para o pai a seu lado, e já num último brado fez a brava confissão:
- Meu pai, eu não fui covarde, honrei meu poncho e minha adaga, fiquei coberto de chagas mas agüentei o repuxo.
Fui valente, fui gaúcho, peleei com todo o ardor, e se aqui vim escondido foi p'ra salvar do inimigo o pavilhão tricolor. Abrindo a camisa ao peito, tirou em sangue banhado aquele trapo sagrado que até o fim defendeu,
e beijando-o estendeu ao pai, num último esforço, e depois, curvando o dorso,
o bravo guasca morreu.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Poema premiado no I Concurso de Poesias Nativa FM




HERDEIRA
Autor:
Francisco Miguel Scaramussa
Intérprete: Gisele Lima

Sou um perfil de luzeiro do sonho de muitas eras,
que um par de amorosas vontades tornou realidade.
Doçura vertida numa estampa de prenda,
que esta terra vai pintando nos olhos da alma.
As sementes do homem são plantadas no corpo e no coração
e a nossa raça faz pauta pra cantar um bem querer.

Sou herdeira das sementes, das flores, do verde da minha natureza...
e dos frutos maduros para a sobremesa dos cansaços...
Sou herdeira da cacimba de cores que retratam
o meu pago e a minha gente, na fonte dos olhos e do coração.
Das mensagens de acordes, brotados de um clarim de gaita,
com ponteios de sinuelo de uma guitarra pampa.

Herdeira dos silêncios e dos sonhos de vida de tantos patrícios
e dos ternos sacrifícios que se fazem por amor...
Herdeira das plangências sonoras dos sedentos de ternura
e da alegria das criaturas, quando se encontram felizes.
Das lendas e dos encantos, formando a identidade pra futura geração.
Do sentimento de saudade matizando um por de sol
e do clarão de arrebol acendendo a inspiração dos poetas de rebeldia,
na ancestral teimosia, no rastro do boi barroso.

Herdeira das vigílias cansadas, nas caladas da noite,
quando o açoite do sobressalto fustiga a imaginação...
ninando uma canção para quem tanto se ama... escutando o vento...
enquanto a lua ruana da estação, descambou no firmamento...
Herdeira da magia da terra, da água, do sol,
da boieira - olhos de luz - ... infinito sentimento...
da sina de uma raça que tem raízes, história e um futuro!

Então, olhe para o infinito e pinte a pauta do meu grito!
Ouvirás um clarim e um tropel de cavalo...
Verás um gaúcho pilchado como um guerreiro farrapo,
clamando por liberdade...
E este será meu filho! O herói da minha alma!
E na minha intuição feminina,
afundarei atalhos de desvelos nas horas de vigia...
daqueles fins de tarde que se olha para o horizonte,
atirando o laço do pensamento para alguém que partiu e não voltou...

A prenda herdeira guarda um fogo de chão
aceso com os tições da coragem... no peito...
uma cuia bem cevada com mate doce para a seiva da vida...
e um mate amargo para mim mesma,
com as lágrimas fervidas na cambona dos desenganos e desventuras.

E assim,
quando o senhor tempo toldar a trajetória do meu destino,
olhem bem para o poente...
no encontro das duas sesmarias formando um mapa...
verão um mastro se erguendo à beira da cacimba de aquarelas
e, saindo de dentro dela, um arco-íris... (testamento)...
com as listras da nossa bandeira farrapa.
Então, a saudade me fará adormecer
ninando a inocência da minha bruxinha de carinhos...

A cruz e a igreja / The cross and the church


A clássica visão da Igreja de São Miguel do Arcanjo sob a sombra da cruz missioneira. No lado esquerdo da Igreja, há os remanescentes da casa dos padres, o colégio e as oficinas. Do lado direito, ficava o cemitério e o cotiguaçu, onde viviam as viúvas e os órfãos. O Museu das Missões, projetado pelo arquiteto Lúcio Costa está atrás desta foto, do lado esquerdo. Classic vision of the São Miguel do Arcanjo Church under the Company of Jesus cross. On the left side of the church, there is ruins of the priests house, the school and the workshops. On the right side of the Church, there is the ruins of the cemetery and “the cotiguaçu” , the place where take care of widows and orphans. Museum of the Missios, projected by architect Lúcio Costa, is behind me, on the left side.

FILOSOFIA DE GAUDÉRIO

Senhores peço licença, licença pede atenção, que junto com meu violão,num estilo missioneiro,num lamento bem campeiro de gauderio payador,pois se gaúcho senhor que em toda pampa existe é um homem que canta triste por isso que eu nasci cantor.

Peço perdão aos senhores,a minha chucra linguagem pois nela eu trago a imagen,do pampas de muitos anos, de índio sul-americano bordoniado de heroísmo que meu crioulo aticismo num gesto de reverencia,força minha inteligência ser poeta sem catecismo.

Eu aprendi a cantar versos, em faculdade campeira,em reuniões galponeiras,e em bolichos de campanha tomando um trago de canha,para afinar a garganta,pois necessita quem canta inteligência agitada, se acaso levar rodada da um grito e se levanta.

São versos de selva e campo,se perdem ao vento tiatino, repontando meu destino, campeia meu pensamento,seguem juntitos com o vento, se amadrinhando comparsas,qual duas nuvens disparsas em mutuo solidarismo, acariciando o lirismo de um branco bando de garças.

Andei por terras estranhas,no mundo muito aprendi,desde a língua guarany ao clássico espanhol,camperiei de sol a sol nas estâncias de fronteiras,peliei e corri carreiras,montei em potro aporriado so honrras eu tenho dado a minha terra missioneira.

Tem muita gente que fala, do meu viver teatino, mas eu tranço meu destino como manda a lei divina,são ordens que vem de cima do patrão onipotente,somente a gente que sente se ronda um noite inteira quando uma estrela matreira se perde no continente.

Mais triste que urutaú , mais xucro que pantanal, meu canto tradicional há de cruzar mil fronteiras, em toadas galponeiras romances do meu rincão , num desabafo de peão quem aprende a cantar solito quando de noite ao tranquito da medo da solidão.

Nunca vou cantar para o mal , meus versos são para o bem , muitos carinhos me vem, quando me encontro payando , e se por peão pobre ando, se me alegro com meu canto, meus versos cheirando a campo faz-me prever sonhador, que se eu nasci pra cantor eu ei de morrer cantando.

(Noel Guarany)


(foto Luciano Stabel ®)

BEM VINDO !!!

Este guri que vos escreve chama-se Ricardo F.Noal Scaramussa
...com esta poesia de meu pai, crio este blog...
com o objetivo de publicar cultura, tradição e apego as coisas da minha terra.(imagens e obras).
(...para as más linguas...claro que vai ter relatos da minha jornada).
a todos um grande "quebra costelas" para espantar o velho "minuano" da vida.

BRADO D'ARMAS

(Poema vencedor da Reculuta da Arte Nativa)

BRADO D'ARMAS
Francisco Miguel Scaramussa

Eu tinha treze anosquando me resolveram que eu iria estudar...
mui longe... no povo...
Minhas pilchas a mãe passou pro irmão mais novo...As puas e o rebenque “de luz” pachola,meu pai entregou também...

Nesse tempo, entendia tudo e todos da minha gente...
o linguajar nativo, o guapo entono de liberdade.
De como a lida de campo lembrava aprontes pra luta.
A cumplicidade campeira do trabalho,desde o relincho de baguais até o tilintar cadenciado das esporas.E os ideais mais simples tinham atropelos de cascos, na fartura!

Havia respeito e dignidade à memória da tradição.
Se enfrenava a defesa irmanada de idéias que honravam vidas,onde a lei se emponchava nestas razões que pariam tauras...
E essa magia legada me fazia sorrir!
E eu era feliz!

Mas chegou o dia da partida.
Os vizinhos mais velhos encorajando...- Volta doutor! Professor! Militar! Ou até padre!É dos nossos! Tem brado d'armas, o piá!
E os tios: - Escreva... mande notícias.Se “percisá” de alguma coisa, também...
E o pai: - Filho, seja sempre honesto, leal e franco!
E os avós: - Quando te largarem de férias... visita a gente!
O flete esperança ia encilhado, embodocado por dentro,como se rosetas lonqueassem a alma na despedida.

Depois... quartiei rondas nas letras,repontei horizontes nos livroscom ganas de conhecer melhor os homens e o mundo.
Tropiei nas ciências, me encontrei pedaços.
No rodeio dos números me achei um zero.Cada dia entendia menos...
Galopei nos verbos até o “perder identidade”.
Campiei na história e topei um chasque:“Deus fez o campo, os homens fizeram a cidade”.Perdido nela, meu potro saudade relinchava embretando solidão.

Nunca mais voltei pra minha gente.
Nas noites escutava as vozes dos poetas gaúchos, também saudosos,que em bordoneios sentidos e no ressongar aflito da cordeonapediam socorro ao infinito...
Com os mesmos anseios fui bebendo a luz das estrelas,com o silêncio do sereno em rondas sem escalas.De tanto olhar pro céu nestas noites do pampa,minha alma campeira criou asas... e fui subindo... subindo...cruzei pelas “Três-marias” do pajé charrua... cheguei até a “Boieira”.
E vi que a labareda é formada por tições de ideais e sentimentos da alma gaúcha!Cerquita do fogo... na roda de chimarrão... muitos da minha gente...
Havia escoltas de centauros de prontidão,com bandeiras farroupilhas em pontas de lanças.E numa tarca, os brasões e legendas de cada herói do pampa...

O Senhor Tempo, patrão de todos os mistérios e segredos,estava pilchado...
E seus olhos eram espelhos!Neles, me vi o piá de treze anos, antes da partida.
E só a alegria me sorria ... refletida...E as escoltas clamavam: - Brado D'armas.
Volta e repita: - Brado D'armas.Como ave grande com asas de aurorahoje rumbeio para minha gente,na recoluta de amor pela Querência,com Brado D'armas...
...Brado D'armas!