Com a poesia de meu pai, crio este blog...com o objetivo de publicar cultura, tradição e apego as coisas da minha terra.(imagens e obras).(...para as más linguas...claro que vai ter relatos da minha jornada).

à todos um grande "quebra costelas" para espantar o velho "minuano" da vida.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

MEU PAI E EU

Eu fui criado assim, gato selvagem,
nos arredores da cidadezinha,
guri sempre fugido pros potreiros
onde pastavam vacas e cavalos;
e eu por eles já sentia estima
e esse fascínio que até hoje sinto.
Nenhum cuidado me zelava a vida,
queria era viver a liberdade
e aprendi a defender-me dos perigos
por puro instinto.

A importante pessoa dessa infância
foi meu pai.
Mas meu pai era assim, a lei, o aço,
o que não transigia em meus deveres.
Só sabe Deus o que terá passado
em sua vida pobre. O sofrimento
como que o dotara de uma carapaça
que o fazia parecer imune
à fome e à sede,
para que moldasse o corpo em argamassa.
Hoje penso que a força da cobrança
ensinou-me esgrimir contra a parede.

As suas bondades
eram dissimuladas aos meus olhos
que só o viam duro, teso e forte.
Pra mim, meu pai era um palanque
assentado à frente do seu rancho,
insensível ao frio ou ao cansaço,
incapaz de desviar-se do seu norte.

Nem nas amargas maldizia a vida,
nunca lhe ouvimos uma voz de queixa,
pois não se permitia comiseração.
Muito ao contrário, reagia duro:
a vida é luta, vence o mais capaz,
o que mais suar sobre seu eito,
o que mais cedo madrugar.
Em pequeno, muito vagamente,
lembro seu colo,
substituindo a mãe, que já se fora.
Mas essa imagem me é tão remota
que raras vezes a reconstituo.
O tempo que me vem mais à memória,
é o do guri que, mal a lei saía,
largava tudo pra voar na rua.

Eu amava meu pai e não sabia,
ou, se sabia,
tratava de ocultá-lo de mim mesmo.
As manifestações de afetos familiares
pareciam perturbar-me a natureza.
Eu era apenas um menino
que se omitia em demonstrar ternura
temendo que algum gesto de carinho
pudesse confundir-se com fraqueza.

Havia vezes em que eu o odiava
e o rejeitava, ao me sentir sozinho,
porque cobrava cada ato falho,
porque ralhava contra qualquer falta
que pudesse levar-me ao descaminho.

As palavras de meu pai eram tais ordens
que se devia cumprir de qualquer jeito.
Dessas palavras e dos gestos fortes
ficou-me para sempre esse preceito
do amor ao trabalho e à família;
mas o trabalho, nesses longes tempos,
era de sol a sol,
áspera trilha que se devia abrir
com toda força e renovado vigor,
a cada dia, a vida inteira.

Já a família se agrupava muito,
toda a pobreza era irmamente repartida
e a dor  e a enfermidade
eram veladas em conjunto.
A cada filho que se emancipava
suando seu salário,
o tratamento de meu pai ficava ameno,
talvez mais doce, um pouco mais sereno,
mas a cobrança seguia ao necessário.
Nunca o vi chorar.
Seus sentimentos eram tão cerrados
que foi preciso me fizesse homem
pra desvendar o seu amor imenso.
Essa descoberta veio aos poucos,
a idade chegara para todos,
a lei passou então a ser mais branda
e o cuidado talvez menos intenso.
Eu,
que me fiz adulto ates do tempo,
saí de casa como um filho sai,
sem saber o quanto a rua me ensinara
nem atinar a força da argamassa
que herdara de meu pai.
Nem eu mesmo sabia
de que pedra eu era feito.
Tinha meus sonhos
e a insegurança daquele que começa,
quando atirei a vida sobre os ombros
e parti para o mundo a me provar.
O medo de ser frouxo me assustava;
eu sabia que atrás de cada esgrima
havia uma parede que não me deixaria recuar.

Hoje a vida passou, vou cerro abaixo,
o corpo vai sofrendo seus estragos,
mas me alegra saber que o coração
é pedra doce - fácil de amoldar -
mas que sofre sozinho nos seus medos
e jamais reparte seus fracassos,
pois não lhe permitiram nunca
o direito de chorar.

É nessas horas que
meu velho volta
e me levanta na palavra:
"Assim é a vida, só vence quem lutar!
Aperta o coração, afirma o braço,
ergue a cabeça e segue em frente...
Lá é teu lugar!".
(Antonio Augusto Ferreira)

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